Sirvo-me desta máxima de Sêneca como “pano de fundo” para a reflexão a que me proponho. Na literatura popular, ainda é corrente o vínculo de alguém com a pessoa que poupa uma vida, como se a tivesse dado, através de laços que só se desfazem quando o favor é retribuído e a vida é “restituída”.
No dia 21 de março, o Conselho Federal de Medicina lançou um documento em que concorda com a Reforma do Código Penal que afasta a ilicitude do aborto nas seguintes condições:
a) Quando houver risco à vida ou à saúde da gestante; b) se a gravidez resultar de violação da dignidade sexual ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; c) se for comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que invibiabilizem a vida independente; d) se por vontade da gestante, até a 12ª semana da gestação.
No fundo, o argumento maior é o de que “a mulher é dona de seu próprio corpo”. Argumento falacioso que não tem sustentação em si e que pode, inclusive, justificar situações como a prostituição e até mesmo o suicídio. Se eu sou “dono do meu corpo”, faço dele o que eu bem entender. E não é assim. Ainda mais quando se trata de uma gravidez, quando uma vida está em curso, indefesa, no ventre da mãe. A partir do momento da concepção, a mãe carrega consigo uma outra vida, mesmo que em germe, e, por isso, já não é mais “dona” de seu corpo. Há algum tempo se falava da possibilidade de se descriminalizar o aborto em casos de estupro. Agora já se fala em “se por vontade da gestante, até a 12ª. semana”, isto é, até o terceiro mês.
Na verdade, a proposta do Conselho Federal de Medicina é abrir uma janela que, num futuro próximo, se transformará numa porta escancarada para o aborto geral. Agora se aprova o aborto até a 12ª semana de gestação, depois se pula para a 24ª semana e, depois, se pode abortar no último mês da gravidez.
A posição do Conselho Federal de Medicina é a de Herodes: mandou matar todos os meninos até dois anos, pensando estar entre eles o menino Jesus. Mas, você poderá argumentar: mas a situação do aborto é diferente. E eu concordo, diferente e mais grave, pois tira a vida de seres indefesos. Um crime hediondo, para não dizer, bárbaro. A Igreja defende os indefesos e, para ela, a vida começa na concepção e termina na morte natural. Se existe algo que a Igreja não negocia é a vida. O aborto não se justifica em nenhum momento e em nenhuma circunstância. Ao defensor do aborto eu sempre digo: pena que seus pais não pensam como você, assim você não estaria aqui para se somar àqueles que só buscam o conforto próprio, defendendo ideias estapafúrdias.
Estamos vivendo num mundo sem Deus, um mundo secularizado que julga não mais precisar de Deus. Um mundo onde impera o individualismo, o hedonismo, o agnosticismo. Quem não crê em Deus acaba não crendo nos outros e até mesmo em si próprio.
Vivemos num país que se classifica como “democrático”, onde as decisões vêm sempre de cima e o povo nunca é consultado. Por que o nobre Conselho Federal de Medicina, já que está tão convicto de suas resoluções, não propôs um “plebiscito” para saber o que o povo pensa sobre o assunto? Que poder tem o referido Conselho para legislar em matéria tão grave?
Quer dizer que, o que é bom para o Conselho é bom para o povo?
Será que os nobres conselheiros estão realmente preocupados com a saúde das grávidas? Nós nos arrepiamos com os horrores do “holocausto” de Hitler, matando, sem dó nem piedade, seis milhões de judeus e queremos usar o dinheiro do povo para financiar a morte de seres inocentes. Será um novo “holocausto”, tão desumano quanto o primeiro.
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
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