“E Pedro, abandonando a barca, lançou-se ao mar” (Jo 21, 7).
Em 1958 a Igreja, surpreendida com a morte inesperada de Pio XII, se perguntava: e agora? Os cardeais elegeram o Patriarca de Veneza, Angelo Giuseppe Roncalli, que escolheu o nome de João XXIII. Dele não se esperava muito, pois já estava idoso e seria um Papa “de transição”. E João XXIII, para surpresa de todos, convocou o Concílio Vaticano II. Era um sinal claro da presença do Espírito Santo na condução da Igreja.
Ontem, 11 de fevereiro, o Papa Bento XVI surpreendeu a todos, anunciando a sua renúncia. Logo a notícia correu o mundo. As reações foram as mais diversas. Realmente o impacto da renúncia veio por dois caminhos: primeiro, porque há mais de cinco séculos não se falava da renúncia de um Papa; segundo, por se tratar de Bento XVI, um Papa forte, decidido, voluntarioso.
No comunicado aos Cardeais, reunidos no Consistório, o Papa surpreendeu a todos dizendo: “Caríssimos irmãos, convoquei-vos para este Consistório, não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”. E o Papa continuou, agradecendo a colaboração de todos e pedindo perdão pelos seus defeitos.
De minha parte, como Bispo, desejo tecer algumas considerações a respeito da renúncia. Em primeiro lugar, a renúncia de um Papa está prevista no Cânon 332 do Código de Direito Canônico. É direito de toda pessoa renunciar a um cargo para o qual não se julga em condições. No caso do Papa, a renúncia não precisa ser aceita.
Bento XVI é, na história da Igreja, o décimo Papa a renunciar. O primeiro foi Clemente 1º (101); seguido de Ponciano (235); Marcelino (304); Martinho 1º (655); Bento 5º (964); Bento 9º (1045); Gregório 6º (1046); Celestino 5º (1294) e Gregório XII (1415).
No caso, Bento XVI reconhece que faltam-lhe as forças físicas necessárias para a missão. E, num gesto profundamente humano, apresenta a sua renúncia. Em segundo lugar, há que se destacar que o Papa aguardou o momento oportuno: não apresentou a renúncia por ocasião do Natal ou da passagem do Ano. Às vésperas da Quaresma, tempo de conversão, é que o Santo Padre “provoca e convoca” a Igreja para a aceitação de seu gesto e, também, para uma mudança de vida.
Alguém já disse que o cristão tem duas leituras obrigatórias: a Bíblia e o jornal. Isto para dizer que o cristão deve estar atento aos acontecimentos e que deve iluminar estes acontecimentos com a luz da Palavra de Deus. É o que quisemos dizer, citando as palavras de São João: “E Pedro - descobrindo-se nu - lançou-se ao mar”. O mesmo podemos dizer do Santo Padre Bento XVI: reconhecendo a sua fragilidade, “deixou o comando da barca e lançou-se ao mar”. Mas, assim como Pedro, Bento XVI não abandonou a barca. Ele deixa claro, no final de seu comunicado de renúncia: “Pelo que me diz respeito, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, à santa Igreja de Deus”.
Bento XVI foi eleito em 2005, depois de 27 anos de Pontificado de João Paulo II. Governou a Igreja num tempo caracterizado pelo que o Documento de Aparecida chamou de “mudança de época”. Escreveu três Encíclicas, “Deus caritas est” (2005); “Spes salvi” (2007) e “Caritas in veritate”.
O gesto do Papa foi um ato de grande humildade. São Paulo, na 2ª Carta aos Coríntios, falando das tribulações e esperanças do ministério, assim se expressa: “Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos; prostrados por terra, mas não aniquilados”. A Igreja se sente órfã, mas não desamparada. Triste, mas não desesperada. Porque ela confia na solicitude de seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, no qual e a partir do qual, o Papa exerce o seu pastoreio.
Parabéns, Santo Padre, pela sua coragem e pela sua humildade! O senhor deu ao mundo uma grande lição: de saber a hora de parar. Oxalá também nós saibamos a hora de deixar para os outros as tarefas que não podemos mais realizar! Nós o amamos e, agora ainda mais, o admiramos!
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
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