Num mundo que cultiva e cultua títulos e que subordina a vida a diplomas, é preciso definir bem o que se quer dizer com o título “doutor da Igreja”. Não são mestres carregados de diplomas, vestidos de toga que, do alto de sua cátedra, fazem a apologia do saber, discriminando os sem estudo e sem diplomas. Também não se comparam aos “doutores da lei”, vestidos com o manto da hipocrisia, que Jesus censura e critica com vigor e com humor.
Para a Igreja, “doutor” é exatamente o contrário do sentido comum: simplicidade em vez de complexidade; humildade em lugar de pedantismo; amor ao próximo acima de tudo; desapego sobrepujando o ter; serviço ou múnus mais forte que o poder. Todos os que a Igreja proclamou “doutores” têm um ponto em comum: levar a Boa Nova aos pobres.
O que representam esses “doutores”? Em primeiro lugar, são testemunhas da fé. Os primeiros “doutores da Igreja” foram ilustres pela defesa da fé perante as grandes heresias: arianismo, docetismo, pelagianismo... Também entre eles encontramos homens e mulheres que souberam comunicar com felicidade e com facilidade o Evangelho. Abriram caminhos, cada qual com a sua característica pessoal, de acordo com o seu tempo. Santo Agostinho é um apaixonado pela música; São Basílio, pela medicina; Santo Alberto, pelas Ciências Naturais; São Jerônimo, pela Bíblia; São Gregório Nazianzeno, pela poesia; Santa Teresa de Ávila, pela dança.
Santo Agostinho modelou o gênio latino; São Gregório Nazianzeno, o grego; São João da Cruz, o espanhol; São Beda, o inglês... Eles não pretendem carregar-nos de verdades, mas nos ensinam o amor à Sagrada Escritura, numa leitura saborosa e amorosa da Palavra de Deus.
Os “doutores” estão, paradoxalmente, em comunhão e em ruptura. Em comunhão com a Igreja, mas em ruptura com os “não-Igreja”. Por isso, muitos deles foram exilados, como Atanásio, Hilário e João Crisóstomo, ou até mesmo martirizados.
O amor ao Evangelho e a docilidade ao Espírito Santo foram ‘marca registrada’ na vida dos “doutores”. Os caminhos e os itinerários são variados, mas o objetivo é comum: Jesus Cristo. Fazem-nos amar a Igreja e os homens; fazem-nos desejar a vida eterna; ensinam-nos a amar a simplicidade; conduzem-nos ao louvor e à adoração.
Algumas curiosidades: dos trinta e três “doutores”, trinta homens e três mulheres; dois Papas (Gregório Magno e Leão Magno); três Cardeais (Boaventura, Pedro Damião e Roberto Belarmino); quinze Bispos (Afonso de Ligório, Agostinho de Hipona, Alberto Magno, Ambrósio de Milão, Anselmo de Cantuária, Atanásio de Alexandria, Basílio Magno, Cirilo de Alexandria, Cirilo de Jerusalém, Francisco de Sales, Gregório Nazianzeno, Hilário de Poitiers, Isidoro de Sevilha, João Crisóstomo e Pedro Crisólogo); nove Padres (Antonio de Lisboa, Beda Venerável, Bernardo de Claraval, Jerônimo, João da Cruz, João Damasceno, Lourenço de Brindisi, Pedro Canísio, Tomás de Aquino); um Diácono (Efrém, o Sírio); duas Religiosas (Teresa de Ávila e Teresa de Lisieux); uma Leiga Consagrada (Catarina de Sena). Quanto à Família Religiosa: Doze do Clero Secular (Agostinho, Ambrósio, Atanásio, Cirilo de Alexandria e Cirilo de Jerusalém, Francisco de Sales, Gregório Nazianzeno, Hilário, Isidoro, Jerônimo, Leão Magno e Pedro Crisólogo); quatro Monges Orientais (Basílio, Efrém, João Crisóstomo e João Damasceno); três Beneditinos (Anselmo, Beda e Gregório Magno); um Camáldulo (Pedro Damião); um Cisterciense (Bernardo); três Carmelitas (João da Cruz, Teresa de Ávila e Teresa de Lisieux); três Dominicanos (Alberto Magno, Catarina de Sena e Tomás de Aquino); dois Franciscanos (Boaventura e Antonio de Lisboa); um Capuchinho (Lourenço de Brindisi); dois Jesuítas (Pedro Canísio e Roberto Belarmino); um Redentorista (Afonso de Ligório). Quanto à longevidade: Teresa de Lisieux (24 anos); Catarina de Sena (33); Antonio de Lisboa (36); João da Cruz e Tomás de Aquino (49); Basílio e Pedro Crisólogo (50); Hilário (51); Boaventura (53); Francisco de Sales (54); Ambrósio (58) Lourenço (60); Gregório Nazianzeno (61); João Crisóstomo (62); Beda e Bernardo de Claraval (63); Cirilo (64); Leão Magno e Pedro Damião (65); Gregório Magno (66); Teresa de Ávila e Efrém (67); Jerônimo e Cirilo (71); Agostinho, Isidoro e Anselmo (76); Atanásio (78); Roberto Belarmino (79); Alberto Magno (80); Afonso de Ligório (91) e João Damasceno (100).
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
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