“O tempo nos obriga hoje a viver as diferenças como ponto de encontro. Viver as divergências como ocasiões para o diálogo fraterno, sereno, objetivo e respeitoso. Viver a pluralidade como uma riqueza incomparável. Temos que maravilhar-nos com a parte do mistério escondido em cada um, seja quem for. Também temos que abrir-nos para descobrir-nos e oferecer-nos a fim de acolher”.
Com essas palavras de um muçulmano argelino queremos iniciar a nossa reflexão sobre a ética no sacerdócio. Não como quem faz uma concessão, mas como alguém que cumpre uma exigência do nosso tempo. Não como uma experiência passageira, mas como um desafio perene.
Não se trata de “brincar” com o outro, numa alteridade descompromissada, mas de respeitar o outro em sua intimidade de outro, com tudo aquilo que ele tem de próprio: a sua hereditariedade, o seu meio, a sua maneira de ser, a sua individualidade. É aqui que ele se revela “outro”. Diferente, às vezes calado ou outras vezes falador. Tímido ou extrovertido. Voltado para o espiritual ou, outras vezes, mundano. Piedoso ou piadoso. Não importa; é o outro.
Qual é a linha do padre que vai chegar? Que tipo de padre ele encarna? Que orientação ele deu a respeito da comunhão para casais de segunda união? O que ele fala a respeito do problema da pedofilia? A missa dele é demorada? Perguntas que não pedem respostas, pois o forte, o importante é a pergunta. Não importa o que ele pensa ou o que ele prega. De qualquer forma, ele tem que “rezar na nossa cartilha”, dizem as más línguas. “Do contrário...”
Hoje, a palavra de ordem é “ética”. Em tudo se exige ética. Até dos políticos, aqueles que parecem imunes a tudo, se exige ética. O comportamento ético está na base de qualquer atividade, seja ela na medicina, no matrimônio, nos negócios... E eu diria também no sacerdócio. Sobretudo no sacerdócio. Aquele que é obrigado ao sigilo da confissão tem, também, as obrigações éticas.
Não é nada bonito a gente ver padre “detonando” padre. Fazendo a “ficha” do outro. É o que não se vê entre médicos, advogados, evangélicos... Há um respeito pelo outro. É o respeito pelo “diferente”. O outro é o outro. Não se repete, nem nas impressões digitais.
O Vaticano II, curiosamente, não fala de presbítero. Fala de presbíteros. Isto para nos dizer que “ninguém é padre sozinho”; não há padre, há padres.
E qual é o quadro com que nos deparamos? Sacerdotes solitários, isolados do bispo, dos colegas e do povo. Cada um fazendo de sua paróquia uma diocese, fechando-se num “gueto”, um “l´État c´est moi” religioso, como que a dizer: aqui mando eu! Uma disputa de poder, uma competição desenfreada, cada um querendo ocupar o primeiro lugar.
Eu não sou “modelo” nem “paradigma”. Também tenho as minhas limitações, os meus defeitos, os meus pecados. Da mesma forma, o outro. Entre o belo e o feio, o bom e o mau, o leal e o desleal, o amigo e o inimigo, devo ficar sempre com a primeira opção, o mesmo vale para o outro para quem sou o outro.
O estado atual do sacerdócio reflete todas as ambiguidades que vão do heroísmo à covardia, da fidelidade à fraqueza, do martírio à fuga.
Bonito o testemunho de um padre que acolhia o seu substituto e dizia: “é um santo”. E aí desfiava um rosário de qualidades do padre novo. Melhor para ele, que deixava a paróquia e se fazia pequeno e se reconhecia pecador. Aí sim, o povo iria dizer: santo é o que saiu.
Sim, santo é o que saiu. E também o que chegou, diria eu. Todos são santos, passageiros, missionários. As diferenças, as divergências e a pluralidade é que fazem a beleza do presbitério.
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
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