“Olho por olho, dente por dente”. Assim se enuncia a famosa lei de talião, baseada na vingança e na retribuição exata do mal sofrido. Em Êxodo 23,31s, Deus ordena a Moisés: “Reddet... oculum pro oculo et dentem pro dente”, “olho por olho, dente por dente”. Esse princípio é também enunciado no Levítico (24, 17-22) e no Deuteronômio (19,21).
No entanto, essa lei é contestada numa análise explícita de Jesus, no Evangelho de Mateus (5, 38 ss): “Ouvistes o que foi dito: ‘olho por olho, dente por dente’. Eu porém vos digo: se alguém te der um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto...”
E qual é a lei que vigora em nossos dias? Qual ou quais os critérios que norteiam os nossos julgamentos? A lei de talião. Paga-se, sempre, com a mesma moeda. Daí a espiral de violência que se alastra pelo mundo. Eu bato em quem me bate; falo mal de quem fala mal de mim; odeio quem me odeia. Nunca deixo por menos.
Se eu cumprimento quem me cumprimenta, se dou presentes a quem me dá presentes, se gosto de quem gosta de mim... também os pagãos agem assim. O diferencial do cristão está exatamente aí. “Não pagueis o mal com o mal”, recomenda-nos Jesus. E foi exatamente esta recomendação que escandalizou os discípulos. Jesus é diferente. Possui uma lógica diferente. Quando vai convocar os apóstolos, ao invés de se dirigir a Jerusalém (onde se encontravam os doutores), ele vai a Cafarnaum (onde estavam os pescadores). Proclama - para uma sociedade que considerava a pobreza como castigo - felizes os pobres.
Esta linguagem de Jesus escandalizou os apóstolos e continua escandalizando os homens de nosso tempo. Como ser pobre numa sociedade que cultua a riqueza? Como perdoar numa sociedade que cobra aquele que erra?
“Não há santo sem passado nem pecador sem futuro”. Aqui está a chave da conversão. Aqui está o mistério da misericórdia de Deus. Do contrário, a vida não teria sentido. Seria um determinismo sufocante. Seria aquilo que Victor Hugo definiu de maneira poética e contundente:
“On entre on crie Entra-se, grita-se
c´est la vie eis a vida!
On crie, on sort Grita-se, sai-se
c´est la mort! eis a morte!
Não há santo sem passado. Ninguém nasce santo. O santo se faz. Não há pecador sem futuro. Também ele pode mudar. O pecador pode se redimir, pode deixar de ser pecador, pode se converter. Aqui está o mistério da conversão como processo que começa com o nascimento e termina com a morte.
Ninguém é tão perfeito que não tenha o que melhorar. Ninguém é tão pecador que não tenha como melhorar. Esta é a dinâmica da conversão. Na história, isto é, no ontem, no hoje e no amanhã, nós tecemos a nossa vida. O ontem é história; o amanhã é mistério e o hoje é dom, por isso se chama presente.
É no hoje, que vem de um passado e que leva a um futuro, que se vive a vida. Mais do que um pleonasmo, a vida é para ser vivida e não sofrida. Numa dimensão cristocêntrica, poderia dizer com e como São Paulo: “Vivo, mas não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim!”.
Atendendo ao convite de Jesus, procuremos abolir da nossa vida a lei de talião. Ela é muito estreita, muito restrita. Abramos o nosso coração ao perdão que é exigência do amor. Sem perdão não há amor. Por isso, acreditamos: quem ama pouco, perdoa pouco; quem ama muito, perdoa muito; quem não ama não perdoa. Deus nos ama muito e, por isso, nos perdoa e muito.
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
• Leia outras palavras