Continuando nossa viagem pelos livros sagrados, chegamos a Daniel, o sexto dos dezoito Livros Proféticos da Bíblia católico-romana.
O livro de Daniel é um escrito apocalíptico, que traz revelações típicas de tempos difíceis. Ele surge no século II a.C., quando a comunidade está sendo perseguida e em crise. É a época em que o rei Antíoco IV quer acabar com a cultura, costumes e religião dos judeus e, por isso, persegue quem não se sujeita aos padrões e costumes da cultura grega, que ele procura introduzir. A finalidade do livro é sustentar a esperança do povo fiel e, ao mesmo tempo, provocar a resistência contra os opressores.
O livro foi escrito em três línguas diferentes: hebraico (1,1-2,4a;8-12), aramaico (2,4b-7,28) e grego (3,24-90;13-14). Isso aponta para um complicado processo de formação. A existência das três línguas e as contradições surgidas fazem pensar que o livro apareceu graças à coleta e costura de várias histórias orais ou já escritas, que foram reunidas por um editor final. Assim, o nome Daniel é, sem dúvida, um pseudônimo inspirado no lendário Daniel (Ez 14,14.20) e significa “Deus é meu juiz”. O nome, portanto, pretende apresentar o julgamento de Deus contra o imperialismo.
Dessa forma, Daniel deve ser tido não tanto como autor do livro, mas como seu herói principal. O protagonista é, possivelmente, membro de uma família de classe alta de Jerusalém e, como judeu, foi deportado, enquanto adolescente, no ano de 605 a.C., para a Babilônia, onde viveu mais de sessenta anos. Sua inabalável consagração a Javé e sua lealdade ao povo de Deus fizeram dele um profeta de importância confirmada, inclusive, por Jesus em Mt 24,15.
Na primeira parte do livro (Dn 1-6), contam-se histórias passadas sob o domínio dos persas, mostrando como Daniel e seus companheiros resistiram aos poderosos do império e permaneceram fiéis à sua religião; tendo sido, assim, salvos por Deus. Na segunda parte (Dn 7-12), em linguagem figurada, própria da apocalíptica, o autor divide a história em etapas, mostrando o conflito entre as grandes potências. Ressalta que se aproxima a última etapa da história: o Reino de Deus está para ser implantado; por isso, é preciso ter ânimo e coragem para resistir ao opressor, permanecendo fiel. Nessa luta sem descanso, há uma profunda convicção de fé: o único poder é o de Deus, e só Ele é o dono da história. Todos os outros poderes, por maiores que sejam, podem ser derrubados pela ação daqueles que acreditam ser Deus o único absoluto (Dn 2,31-47).
Na parte final, Daniel se apresenta como livro profético básico para a compreensão de várias passagens da Bíblia: muitos aspectos de profecias relacionadas com o fim dos tempos dependem da compreensão desse livro. Para isso, é importante lê-lo junto com os livros dos Macabeus. Ao mesmo tempo, por ser um escrito apocalíptico, Daniel se torna um companheiro de estudo necessário do Livro de Apocalipse.
O Livro de Daniel é uma leitura profunda da história, desvendando o processo das dominações das nações: uma longa sucessão de impérios que se devoram, ao mesmo tempo deixando os povos dominados sem qualquer possibilidade de liberdade (opressão política) e de meios de vida (exploração econômica). Não bastasse isso, o espírito imperialista quer também sugar a identidade mais íntima do dominado, exterminando sua cultura e religião.
O projeto revolucionário do autor tinha metas bem claras: julgar e condenar radicalmente o imperialismo (Julgamento de Deus) e estabelecer uma alternativa político-econômica (Reino de Deus) que desse ao povo chance de liberdade (expressão política) e de vida (condições econômicas). Subverter o imperialismo e a desigualdade que ele provoca, para dar lugar a um modo novo de conceber as relações em nível político (fraternidade) e em nível econômico (partilha).
São bastante interessantes as seguintes passagens: o sonho da estátua (cap. 2); o festim de Baltazar (cap. 5); a fossa dos leões (cap. 6); a oração de Daniel (cap. 9); os tempos messiânicos (cap. 12); a história de Susana (cap. 13).
#saosebastiaojau
• Leia outros textos